Jorge Miranda, comentado sobre a igualdade, afirma que “Os direitos são os mesmos para todos; mas, como nem todos se acham em igualdade de condições para os exercer, é preciso que essas condições sejam criadas ou recriadas através da transformação da vida e das quais as pessoas se movem.”[1] Da mesma forma, Ingo Wolfgang Sarlet afirma que, além da concepção formal de igualdade, há também a material, que consiste em “[...] um dever de compensação das desigualdades sociais, econômicas e culturais, portanto, no sentido do que se convenciona chamar de uma igualdade social ou de fato, embora também tais termos nem sempre sejam compreendidos da mesma forma.”[2] A Constituição Brasileira de 1988, no art. 3º, inciso IV, afirma ser um dos objetivos fundamentais da República “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo cor, idade e quaisquer outra forma de discriminação”, e no art. 5º, caput, garante o direito fundamental à igualdade. O Pacto de São José da Costa Rica, de 1969, por sua vez, garante que “Todas as pessoas são iguais perante a lei. Por conseguinte, têm direito, sem discriminação alguma, à igual proteção da lei.” Destaca-se, também, no que se refere à educação, o art. 26.1, que dispõe: “Toda a pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo menos a correspondente ao ensino elementar fundamental. O ensino elementar é obrigatório. O ensino técnico e profissional dever ser generalizado; o acesso aos estudos superiores deve estar aberto a todos em plena igualdade, em função do seu mérito.” Além disso, o Brasil também ratificou a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, de 1965. Com base nesse pensamento, Flávia Pioevesan afirma que “O combate à discriminação é medida fundamental para que se garanta o pleno exercício dos direitos civis e políticos, como também dos direitos sociais, econômicos e culturais.”[3] Portanto, as ações afirmativas acabam se situando como poderoso instrumentos de inclusão social: As ações afirmativas, como políticas compensatórias adotadas para aliviar e remediar as condições resultantes de um passado de discriminação, cumprem uma finalidade pública decisiva para o projeto democrático: assegurar a diversidade e a pluralidade social. Constituem medidas concretas que viabilizam o direito à igualdade, com a crença de que a igualdade deve moldar-se no respeito à diferença e à diversidade. Por meio delas transita-se da igualdade formal para a igualdade material e substantiva.[4] Nesse sentido, o art. 1.4, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial traz a possibilidade de serem adotas ações afirmativas: Medidas especiais tomadas com o objetivo precípuo de assegurar, de forma conveniente, o progresso de certos grupos sociais ou étnicos ou de indivíduos que necessitem de proteção para poderem gozar e exercitar os direitos humanos e as liberdades fundamentais em igualdade de condições, não serão consideradas medidas de discriminação racial, desde que não conduzam à manutenção de direitos separados para diferentes grupos raciais e não prossigam após terem sido atingidos os seus objetivos. Nesse sentido, o STF, na ADI 5.357 e na ADC 41/DF, decidiu pela constitucionalidade das cotas raciais em concursos públicos. As cotas raciais, portanto, mostram-se como um instrumento de combate à discriminação que está acobertado pela Constituição e pelos Tratados de Direitos Humanos ratificados pelo Brasil.
[1] MIRANDA, Jorge. Direitos Fundamentais. Coimbra: Almedina. 3ª ed. 2020, p. 303.
[2] ARLET, Ingo Wolfgang; Luiz Guilherme Marinoni; Daniel Mitidiero. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva Educação, 2020, p. 616.
[3] PIOVESAN, Flávia. Ações Afirmativas da Perspectiva dos Direitos Humanos. In: Cadernos de Pesquisa, vol. 35, nº 124, p. 43-45, jan.-abr. de 2005, p. 49.
[4] PIOVESAN, Flávia. Ações Afirmativas da Perspectiva dos Direitos Humanos. In: Cadernos de Pesquisa, vol. 35, nº 124, p. 43-45, jan.-abr. de 2005, p. 49.