A hierarquia dos tratados sobre Direitos Humanos condiciona-se ao rito de aprovação congressual, possuindo status constitucional, ou de supralegalidade, tenha, ou não, respectivamente, sido utilizado o quórum do art. 5º, § 3º da CF.
Referida norma, implementada pela cognominada Reforma do Judiciário (EC 45/2004), gerou certa perplexidade na doutrina, pois pareceu incluir duas categorias de tratados de Direitos Humanos – aqueles ombreados à Constituição, submetidos a dois turnos de votação por 3/5 das Casas Legislativas, e internalizados sob o rito de Lei Ordinária, com força supralegal.
Essa duplicidade de regime foi objeto de análise pelo Supremo Tribunal Federal no RE 466.343/SP, no qual restou consagrada a Teoria do Duplo Estatuto, segundo a qual o trâmite da internalização processo de incorporação em nosso ordenamento balizará a natureza normativa do instrumento convencional.
O entendimento que prevaleceu na Corte Suprema foi o do Min. Gilmar Mendes, no sentido de que o art. 5º, § 3º confirma a posição de destaque dos tratados de Direitos Humanos e referendaria, a contrario sensu, a compreensão de que as convenções anteriores à EC 45/2004 que versassem sobre tal temática não teriam estatura constitucional. Igual compreensão, na doutrina, foi levada a efeito pelo professor Ingo Wolfgang Sarlet.
Por outro lado, a posição do então decano da Corte, o Min. Celso de Mello, para quem os tratados sobre Direitos Humanos aprovados antes da EC 45/2004 têm envergadura constitucional (princípio da primazia da norma mais favorável), restou vencida, embora a doutrina majoritária reconheça-a como a mais acertada.
Nesse enfoque, o professor Valério Mazzuoli disserta que a reforma do Judiciário trouxe uma indevida discricionariedade congressual, trazendo uma indevida hierarquia a instrumentos globais de semelhante conteúdo ético.
Ademais, o professor Cançado Trindade referiu que o art. 5º, § 3º atenta contra a indivisibilidade dos Direitos Humanos, em prol de um injustificável formalismo – quando a indivisibilidade dos Direitos Humanos é consenso global assinalado na Conferência das Nações Unidas de Teerã, de 1968 (art. 13).
Como intuitivo, não se tem ainda por aplicável a Teoria do Trapézio, prelecionada pela professora Flávia Piovesan, no sentido de que o ápice do ordenamento de cada país é ocupado pela Constituição e pelos tratados sobre Direitos Humanos; ao revés, a hierarquia das normas internacionais no ordenamento ainda se dispõe no tradicional formato piramidal, conforme recorte a seguir:
1. Supraconstitucionalidade: não só os tratados e convenções de Direitos Humanos, mas alusivos a qualquer matéria, estariam acima da Constituição, na forma dos arts. 29 e 46 da Convenção de Viena, entendimento, até aqui, nunca adotado pelo Supremo Tribunal Federal;
2. Constitucionalidade: os tratados de Direitos Humanos têm natureza de norma constitucional, como se vê na Convenção de Nova York e protocolo facultativo (2009) e Tratado de Marraqueche (2015), os três submetidos à votação qualificada do art. 5º, § 3º da CF;
3. Supralegalidade: a Corte Excelsa adotou esse critério indistintamente, para qualquer tratado, até 1977. Atualmente, estão acima das normas infraconstitucionais os tratados de:
3.1. Direitos Humanos, incorporados antes da EC 45/2004 e, após a reforma constitucional, sob o rito de Lei Ordinária (STF, HC 87.585/TO e HC 96.772/SP);
3.2. Direito Tributário (art. 98 do CTN) (RE 22.096) – o STJ, por seu turno, já decidiu, quanto a tratados atinentes a bitributação, haver revogação funcional da norma interna, em expressão cunhada pelo professor Heleno Torres, "o que torna as normas internas relativamente inaplicáveis àquelas situações previstas no tratado internacional, envolvendo pessoas, situações e relações jurídicas específicas, mas não acarreta a revogação, stricto sensu, da norma para as demais situações jurídicas a envolver elementos não relacionados aos Estados contratantes" (REsp 1.161.467-RS);
3.3. Transporte Internacional (art. 178 da CF) (RE 636331 e ARE 766618);
4. Infraconstitucionalidade: fora dos casos acima, os demais tratados assemelham-se a Leis Ordinárias, submetidos a controle de constitucionalidade tal (art. 102, III, "b") (RE 80.004, RHC 79785 e ADI-MC 1.480-3).
Por fim, cumpre salientar que o Estado Brasileiro, com pioneirismo, adotou a Agenda 2030 como meta institucional do Poder Judiciário (Meta 9/2020 – CNJ), o que, em tese, poderá representar um rearranjo da hierarquia acima, tendo em vista a possibilidade de um diálogo direto com julgados de cortes internacionais e tratados e convenções em matéria de Direitos Humanos.