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O STF E A CRIMINALIZAÇÃO DA HOMOFOBIA



Primeiramente, devo me manifestar no sentido de que a homofobia, ou qualquer outra forma de preconceito contra minorias, é absolutamente odiosa, vil, desumana e que, no meu entender, pode ser criminalizada. Atualmente, o preconceito homofóbico não se enquadra no crime de racismo, previsto na Lei 7.716/89, já que a lei se refere ao preconceito “de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”. embora as ofensas e discursos homofóbicos possam ser enquadrados em outros tipos penais (como ameaça, injúria etc.).

HOJE, o STF começou a julgar a ADO (ação direta de inconstitucionalidade por omissão) 26, ajuizada pelo Partido Popular Socialista (PPS). Bem como o Mandado de Injunção 4733, ajuizado pela Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros. Ambas as ações sustentam suposta omissão do Congresso Nacional, por não ter elaborado legislação criminal estabelecendo punição a todas as formas de homofobia e transfobia.

Diante desse cenário, muitas perguntas podem ser feitas:


1) O que é inconstitucionalidade por omissão?

O Estado pode editar leis e atos normativos que contrariem formal ou materialmente a Constituição. Uma lei que restringe demasiadamente um direito fundamental, por exemplo, será inválida, inconstitucional. Trata-se da inconstitucionalidade por ação.

Todavia, existem omissões estatais que também podem ser declaradas inconstitucionais. Por vezes, a Constituição Federal impõe ao Estado deveres (expressos ou implícitos) que, caso não sejam cumpridos, podem ensejar a condenação do Estado, por sua inação inconstitucional. Essa é a inconstitucionalidade por omissão normativa.

Todavia, não somente nessas hipóteses, em que a Constituição determina um dever de legislar, poderá ocorrer a omissão inconstitucional por parte do Estado. Os direitos fundamentais previstos na Constituição impõem ao Estado deveres de fazer e não fazer. Por exemplo, em se tratando de direitos sociais, como a saúde, a educação, a moradia etc., o dever principal do Estado é um dever de fazer (garantir a saúde mínima da população, garantir a educação nos padrões constitucionais mínimos etc.).Trata-se da inconstitucionalidade por omissão não-normativa.

Verificada a inconstitucionalidade por omissão, quais os instrumentos jurídicos cabíveis para reprimi-la? Primeiramente, em se tratando de omissão do Poder Público no tocante à elaboração de regulamentação, as duas principais ações são: a) ADO (ação direta de inconstitucionalidade por omissão) e b) mandado de injunção.

E quanto às omissões estatais inconstitucionais que não são normativas? Por exemplo, a omissão do Estado na implantação de políticas públicas aptas a garantir os direitos sociais, ou a omissão do Estado não protegendo suficientemente os direitos fundamentais? Nessa hipótese, outras ações poderão ser ajuizadas, como o mandado de segurança, alegando direito líquido e certo à saúde, à educação etc. Da mesma forma, contra a omissão estatal é cabível arguição de descumprimento de preceito fundamental (art. 102, § 1o, CF). Contra a omissão do Poder Público que fere a Constituição, por descumprir o mínimo existencial dos direitos fundamentais, por ferir o princípio da proibição da proteção insuficiente, também pode ser ajuizada ação popular (art. 5o, LXXIII, CF). Outrossim, para atacar a omissão estatal é possível ajuização de ação civil pública, prevista no artigo 129, III, CF e na Lei 7.347/85.


1) Qual o cabimento da ADO (Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão) e do Mandado de Injunção?

A Ação Declaratória de Inconstitucionalidade por Omissão (ADI por Omissão ou simplesmente ADO) foi trazida para o direito brasileiro, inspirado no direito português, pela Constituição de 1988, no artigo 102, § 2o. Por meio da Lei 12.063/09, que alterou a Lei 9.868/99, foram criados vários artigos específicos que regulamentam ADO (arts. 12-A ao 12-G da Lei 9.868/99).

Trata-se de ação destinada a atacar a omissão do poder público, diante de uma norma constitucional. Vários artigos da Constituição Federal fazem referência à legislação infraconstitucional, dela necessitando para produzir todos os seus efeitos. São as chamadas normas constitucionais de eficácia limitada de princípio institutivo, na nomenclatura largamente utilizada no Brasil e criada por José Afonso da Silva (como vimos em capítulo anterior). Essas normas geram para o Poder Público um dever de legislar, de regulamentar a norma constitucional. A omissão, caso haja, será inconstitucional, podendo ser vergastada por meio de ADO.

Por sua vez, é cabível o Mandado de Injunção, nos termos do artigo 5º, LXXI, da Constituição Federal, quando a ausência de norma regulamentadora inviabiliza o exercício de um direito constitucional.

2) Se o STF julgar procedente, poderá fixar um prazo para o Congresso legislar?

No entendimento atual do STF, sim. Em 30 de novembro de 2016, o STF julgou procedente a ADO 25, fixando o prazo de 12 meses ao Congresso Nacional e, por maioria de votos, deliberou que, caso o prazo transcorra “in albis”, caberá ao Tribunal de Contas da União fixar o valor do montante total a ser transferido aos Estados-membros e ao DF, considerando os critérios dispostos no art. 91 do ADCT para fixação do montante a ser transferido anualmente, a saber, as exportações para o exterior de produtos primários e semielaborados, a relação entre as exportações e as importações, os créditos decorrentes de aquisições destinadas ao ativo permanente e a efetiva manutenção e aproveitamento do crédito do imposto a que se refere o art. 155, § 2o, X, a, do texto constitucional.

Portanto, julgando-se procedente uma ADO, pode o STF fixar um prazo para que o Poder Legislativo elabore a norma regulamentar.

Por sua vez, julgando-se procedente o Mandado de Injunção, da mesma forma, poderia o Supremo Tribunal Federal determinar que o Legislativo elabore o ato normativo em um determinado prazo. Todavia, terminado esse prazo, caso o Congresso não legisle, poderá o STF elaborar a regulamentação necessária, estabelecendo “as condições em que se dará o exercício dos direitos” (art. 8º, Lei do Mandado de Injunção)


3) Cabe ADO ou MI no caso mencionado, podendo-se exigir que o Congresso criminalize a homofobia?

Embora eu entenda que a homofobia e a sua respectiva repressão por parte do Estado sejam temas importantíssimos, com a devida vênia, não me parece que a melhor maneira para corrigir tais inações estatais sejam as duas ações judiciais em comento. Não consigo vislumbrar, nos dispositivos constitucionais, o dever de criminalizar todos os possíveis preconceitos que, malgrado devam ser repreendidos, não necessariamente devem ser criminalizados. Da mesma forma, não me parece cabível o Mandado de Injunção, já que não consigo ver um “direito fundamental à criminalização” de certas condutas.

Vejam, parece-me pertinente criminalizar a homofobia. Se a maioria das pessoas só consegue ver o Direito Penal como limite para seus atos transgressores, que o utilizemos então. Não obstante, mesmo sendo a favor da criminalização da homofobia (e de outros preconceitos igualmente graves), não entendo que seja um dever constitucional do Legislativo, apto a ensejar uma decisão de procedência do STF nas ações sobreditas.


4) A criminalização da homofobia restringirá a liberdade de credo e a liberdade de expressão?

Se o STF decidir pela procedência de uma das ações, entendendo que o Congresso Nacional deve criminalizar a homofobia, isso será uma restrição à liberdade de expressão? Sim, todavia, trata-se de uma restrição constitucional. Nenhum direito fundamental é absoluto, e assim também ocorre com a liberdade de expressão. Assim como pode ser crime o preconceito contra a raça, cor, etnia, é possível criminalizar o preconceito homofóbico. Por sua vez, não me parece que a criminalização da homofobia implicará restrição ao direito de credo. Uma pessoa pode entender que a homossexualidade é um pecado, segundo sua religião. Isso não configura crime. O que configuraria crime seriam as ofensas, agressões físicas ou verbais, contra os homossexuais.

Aguardemos a decisão do STF. Faremos porvindouros comentários.

Fiquem à vontade para dar suas opiniões.

Prof. Flávio Martins.


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