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Foto do escritorFlávio Martins

PODE A AUTORIDADE BLOQUEAR USUÁRIOS NAS REDES SOCIAIS?


Uma das principais novidades das tecnologias da informação é a criação das redes sociais. Seguramente, as redes sociais modificaram as formas de interação humana, trazendo profundas vantagens e desvantagens para o convívio social.

Indubitavelmente, uma das vantagens foi exponenciar, potencializar alguns direitos fundamentais, como o direito à informação e o direito à manifestação do pensamento. Outrossim, as redes sociais foram decisivas para o fortalecimento do “direito de reunião”. Pelas redes sociais costuma-se agendar reuniões, protestos, que antes dificilmente eram organizados. Por exemplo, em 2020, em poucas horas, jovens do Peru organizaram protestos nas ruas contra o impeachment do Presidente Martín Vizcarra. Os protestos foram reprimidos violentamente pelas forças de segurança pública, o que deu ensejo à renúncia do Presidente interino Manuel Merino, tendo sido eleito pelo Congresso peruano o Presidente Francisco Rafael Sagasti (o terceiro Presidente em três dias). Nada disso ocorreria se não fosse as forças das redes sociais.

Da mesma forma, assim como as redes sociais trouxeram importantes inovações no exercício de vários direitos fundamentais, também potencializou a disseminação de crimes contra a honra, a difusão de notícias falsas, discursos de ódio etc.

Um aspecto interessante das redes sociais é o seu uso frequente por parte de autoridades. O então Presidente norte-americano Donald Trump, antes mesmo de oficializar seus atos de forma oficial, comunicava-os através das redes sociais. Da mesma forma, o Presidente brasileiro Jair Bolsonaro tem por hábito se utilizar das redes sociais para comunicar, em primeira mão, os atos que pretende realizar na Presidência da República. Por exemplo, no dia 23 de março de 2020, escreveu numa das redes sociais (twitter): “determinei a revogação do art. 18 da MP 927 que permitia a suspensão do contrato de trabalho por até 4 meses sem salário”. A efetiva revogação da Medida Provisória só ocorreu no dia seguinte. Também em 2020, depois de ter sido divulgado pela imprensa um estudo do Governo sobre a possível expropriação de terras onde se praticam crimes ambientais, escreveu o Presidente em uma das redes sociais (Facebook): “mais uma mentira do Estadão ou delírio de alguém do Governo. Para mim, a propriedade privada é sagrada. O Brasil não é um país socialista/comunista”. Dessa maneira, pelas redes sociais, passamos a conhecer as políticas porvindouras do Estado.

A questão é: tendo em vista que o Presidente da República e outras autoridades costumam utilizar as redes sociais como forma de comunicação dos atos do Estado, podem eles bloquear os usuários?

Nos Estados Unidos, a justiça norte-americana proibiu o Presidente da República Donald Trump de bloquear seguidores em redes sociais. Conforme o Segundo Tribunal de Apelações do Circuito dos Estados Unidos, em Manhattan, “a Primeira Emenda não permite que um funcionário que usa uma conta de redes sociais para todo tipo de propósito oficial exclua pessoas de um diálogo online, aberto, porque expressaram opiniões, com as quais o funcionário não está de acordo” (grifamos). Da mesma forma, o Tribunal Federal de Recursos da 4ª Região, sediado no estado da Virgínia, decidiu que administradores públicos não podem bloquear seguidores que os criticam na mídia social, porque tal conduta violaria o direito à liberdade de expressão[1]. Em agosto de 2020, o Presidente Donald Trump recorreu à Suprema Corte dos Estados Unidos, sendo que o caso ainda aguarda julgamento.

No Brasil, a mesma discussão chegou ao Supremo Tribunal Federal, por meio do Mandado de Segurança 37.132. Embora o processo ainda esteja pendente de julgamento no momento do fechamento dessa Edição, proferiu seu voto o Ministro Marco Aurélio, entendendo que é inconstitucional a conduta de bloquear usuários nas redes sociais, por parte de autoridades públicas. Segundo o Ministro, “o ato de bloqueio não é a forma ideal de combate aos disparates do pensamento, tendo em vista que o Estado se torna mais democrático quando não expõe esse tipo de manifestação à censura, deixando a cargo da coletividade o controle, formando as próprias conclusões. Só se terá uma sociedade aberta, tolerante e consciente se as escolhas puderem ser pautadas em discussões geradas a partir das diferentes opiniões sobre idênticos fatos. (...) Não cabe, ao Presidente da República, avocar o papel de censor de declarações em mídia social, bloqueando o perfil do impetrante, no que revela precedente perigoso. Uma vez aberto canal de comunicação, a censura praticada pelo agente público considerada a participação do cidadão, em debate virtual, com base em opinião crítica, viola a proibição de discriminação, o direito de informar-se e a liberdade de expressão, consagrada no artigo 220 da Constituição Federal” (STF, MS 37.132, trecho do voto do Min. Marco Aurélio, j. 13.11.20).

No nosso entender, estamos diante do conflito entre alguns direitos fundamentais, que podem colidir nesse universo das redes sociais: a) o direito à honra da autoridade (que muitas feitas é ofendida pelos usuários dos respectivos canais). Isso é potencializado, na medida em que muitas ferramentas permitem o uso das contas através de pseudônimos dos usuários; b) o direito de manifestação do pensamento por parte dos usuários, que querem se comunicar com a autoridade, por meio dos canais por ela abertos; c) o direito à informação, tendo em vista que muitas autoridades se utilizam das contas das redes sociais para comunicar ao público atos do Estado.

Diante desse cenário, concordamos com a jurisprudência norte-americana (e com o voto do Ministro Marco Aurélio, do STF). Não pode a autoridade bloquear usuários nas redes sociais quando as utiliza como forma de tornar públicos certos atos estatais ou outras políticas públicas (como fazia o Presidente norte-americano Donald Trump e como faz o Presidente brasileiro Jair Bolsonaro). Bloquear os usuários consiste em alijá-los de um importante direito fundamental, que é o direito à informação. Não obstante, o direito à honra e à intimidade da autoridade não pode ser suprimido por completo. Entendemos que ele poderá “silenciar” o usuário, em caso de ofensas, impropérios. Dessa maneira, tornar-se-ia uma comunicação em via única: os usuários silenciados continuarão a ter acesso às postagens da autoridade, mas não terão a possibilidade de ofendê-la. No nosso entender, tal posição não viola o direito à liberdade de manifestação do pensamento, porque haverá outras formas de acessar as autoridades públicas, de forma diversa das redes sociais. Por fim, entendemos que, caso a rede social não forneça essa opção tecnológica de apenas “silenciar” o usuário, não poderá a autoridade “bloqueá-lo” porque, num conflito entre o direito à informação das pessoas (sobretudo numa República) e o direito à intimidade e à honra da autoridade, prevalecerá o primeiro direito.

Por isso, discordamos diametralmente da manifestação do Procurador-Geral da República feita no curso do Mandado de Segurança 37.132. Segundo Augusto Aras, “o Presidente Jair Bolsonaro, apesar de divulgar em suas redes sociais uma série de atos relacionados ao seu governo e às suas realizações políticas, essas publicações tem caráter nitidamente informativo, despido de quaisquer efeitos oficiais” (grifamos). Como disse o membro do Ministério Público da União, as informações têm “caráter nitidamente informativo”. Pois bem, numa República, o direito à informação é constitucional, não podendo simplesmente ser tolhido pela autoridade, sob o argumento de exercer direitos e liberdades individuais.

[1] A corte decidiu contra o president do Conselho de Supervisores do Condado de Loudoun, Phyllis Randall, que bloqueou o cidadão Brian Davison em sua conta no Facebook. Randall acusou membros do conselho escolar e alguns de seus parentes de corrupção e de

conflitos de interesse.

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